
– Com licença, senhor Coração?
– Eu mesmo, jovem. O que desejas?
Era inacreditável. Depois de tanto tempo, eu estava cara a cara com ele, o órgão mais importante de um ser vivo. Foram inúmeras tentativas, todas elas fracassadas. Mas finalmente, eu estava ali.
Modéstia à parte, fiz um bom trabalho driblando os seguranças.
– Nossa, é muito estranho estar aqui, tão perto do senhor.
Ele me olhou de cima a baixo, contendo certa incerteza em seu olhar.
– Por acaso o jovem não é nenhum terrorista, certo? Já tentaram me atacar uma vez, quase parei de exercer minha função.
Nunca imaginei ver o poderoso chefão com medo de… mim. Não sou inofensivo, confesso. Mas a minha aparência é tão boa e tão leve, não assusta ninguém. Vê–lo ali, prestes a me expulsar de seu canto, me fez sentir superior. Com todo o respeito.
– Medo? Senhor, não precisa ter medo. Não sou terrorista. Só gostaria de lhe pedir um favor.
– Então que seja rápido. Estou muito ocupado no momento, trabalhar sozinho não é nada fácil.
Era exatamente aquilo o que eu precisava ouvir para meu dia melhorar.
– Exatamente isso que eu gostaria de lhe perguntar. Eu sei que isso parece medonho, vindo de um estranho como eu. Eu posso trabalhar com o senhor?
Me lembro até hoje do temor que o senhor Coração sentiu. Até então calmo, ele começou a movimentar–se centenas de vezes mais, o que me fez sentir bem. Eu estava provocando sensações não só nele, como no ser humano o qual penetrei seu corpo.
Os tais movimentos eram as famosas “batidas”. O emprego do senhor Coração, que garante a vida do tal ser humano. Eu estava prestes a ferrar ou melhorar a sua vida.
Uau, eu ter esse poder dentro de alguém? Ferrar ou melhorar a vida? Eu sou muito importante mesmo.
– Eu sei exatamente o que você quer. Saia daqui.
As palavras, ditas tão friamente pelo Coração, me fizeram desistir por uma fração de segundo.
Apenas uma fração.
– Então o que eu quero?
– Mudar a vida da pessoa para qual eu trabalho. Isso não é nobre, não é correto.
É, ele sabia bem.
– Achei que o senhor concordasse comigo. Não vê que este ser humano está precisando de emoção? Não acha que, por bem ou por mal, isso não vai mudar sua forma de ver e de viver a vida? Por favor, senhor Coração. Eu sou o mais puro sentimento que nutre dentro de alguém. Somente o senhor pode colaborar comigo.
O vi suspirar e voltar ao normal. Quando pensei que ele fosse hesitar novamente, ele me fez uma ordem:
– Aproxime–se.
E lá fui eu, quebrando todas as barreiras que tinha enfrentado para estar ali. Eu o tinha convencido. A hora era aquela.
Novamente, as batidas aceleraram–se. Eu sabia exatamente o poder que estava tendo sobre ele e sobre o ser humano, prestes a cair em uma armadilha tão deliciosa como eu.
– Qual é seu nome, meu jovem?
– Amor.
Quando terminei de pronunciar a última sílaba, as batidas já eram frenéticas. Aquilo era, definitivamente, um “sim”.
Tanto que estou até hoje aqui, trabalhando junto com o senhor Coração. Nos damos muito bem, aliás.
Sobre o ser humano o qual invadi? Sim, sua vida mudou. Horas para pior, horas para melhor. Não me julgue, estou apenas exercendo a função que me foi dada: mudar a vida de alguém.
Jenniffer V. Alcantara